O sotaque carregado, a fala grossa e a paixão pela cultura
riograndense são indicadores que apontam Carlos Urbim como um típico
gaúcho da região da Fronteira. Porém, esse jornalista e escritor nascido
em Santana do Livramento logo revela doses cavalares de sensibilidade e
cortesia que o fazem passar longe daquele estereótipo do gaúcho rude.
Com premiados estudos sobre o Rio Grande do Sul e 14 livros infantis
lançados em 21 anos, ele encontra na própria infância uma inspiração que
parece atuar além de sua obra, estimulando um dia-a-dia que combina
simplicidade e um certo requinte peculiar.
Foi em fevereiro de 1948 que nasceu Um Guri Daltônico
chamado Carlos Marino Silva Urbim. O livro que recebe esse título só foi
nascer em 1984, quando o jornalista já contava historinhas para os
filhos dormirem. "Enquanto inventava um desses contos, percebi que
estava criando minha obra", conta Urbim, que vive confundindo cores até
hoje. Quando criança, além das brincadeiras com pipas, carrinho de lomba
e brinquedos bolados pela meninada de baixa classe social - todos
ilustram seus livros -, lhe chamava muito a atenção uma sala da escola, a
qual ele julgava como a maior e mais bonita de todas: "A biblioteca é a
sala mais importante de um colégio. Um espaço mágico onde as pessoas se
encontram com a literatura". E assim que se alfabetizou, a primeira
providência foi fazer a inscrição na biblioteca. Toda semana, sem
exceção, ele retirava um novo livro. Nas férias de verão, quando a
escola e a sala bonita fechavam, a abstinência fazia o menino percorrer
todas as farmácias da cidade atrás de folhetos ou almanaques de
remédios.
Nessa busca incessante pelo conhecimento, aos 18 anos, Urbim
abandonou o emprego numa fábrica de cerveja que, desde os 12, lhe
garantia alguns trocados. Tomou um trem para Porto Alegre e passou no
concurso vestibular da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do
Sul), ingressando na faculdade de Jornalismo. Ele acredita que a escolha
da profissão também pode ser facilmente explicada ao analisar sua
infância, na qual "uma curiosidade bisbilhoteira" e a vontade de ler
tudo o que caísse em suas mãos eram bem marcantes. Nos primeiros anos do
curso, morando em pensões simples, Urbim exercitava a literatura
escrevendo poesias para colegas de quarto chorosos enviarem às namoradas
que ficaram no Interior.
Mestre transgressor
Na Diários e Emissoras Associados, começou a carreira de
jornalista como repórter de promoções, cobrindo principalmente eventos
de beleza regionais. Em janeiro de 1970, quando a Caldas Júnior lançava
seu novo jornal, Folha da Manhã, e contratava os profissionais de maior
destaque na Diários e Emissoras, Urbim foi convidado a integrar a
equipe. "Este foi o grupo mais importante que eu participei na vida.
Éramos uma verdadeira família, unidos demais", lembra, revelando que
muitas vezes aprendia mais com os colegas nas happy hours do que com os professores na universidade.
Talvez por isso, ao aceitar um convite para lecionar redação
jornalística na PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul), em 1975, Urbim tenha transgredido algumas condutas da
instituição: "Fui expulso de lá por estimular alunos a produzirem textos
que não agradaram muito o conselho de curadores". Ele coordenava a
realização do jornal acadêmico Experiência, no qual os
estudantes praticavam a redação e cumpriam pautas. "Já que a publicação
recebia esse nome, eu achava que deveríamos realmente experimentar, e
não necessariamente servir o mercado", explica, recordando entrevistas e
pautas sobre prostitutas, pais-de-santo, cardeais, militares ditadores,
travestis e personagens desbocados. Urbim foi demitido, mas com a
indenização que recebeu, casou-se com uma aluna e, com ela, foi passar a
lua-de-mel em Buenos Aires. "Alice e eu somos casados há 28 anos", orgulha-se, com um largo sorriso.
De 1970 a 1992, pela manhã, trabalhou como redator na rádio da
UFRGS, onde chegou a diretor por duas vezes. No turno da tarde, teve
passagens pela RBS TV - antiga TV Gaúcha -, Diário do Sul e IstoÉ, entre
vários outros veículos. No jornal Zero Hora, foi editor de diversos
cadernos de 1992 a 2003. "Ordenar elementos de uma página de jornal,
para mim é quase como desenrolar um tapete vermelho na igreja",
relaciona, lembrando novamente da infância, quando decorava casamentos
em Santana do Livramento para ganhar um dinheiro a mais.
Essa nostalgia nada melancólica, unida a uma forte admiração pela
cultura gaúcha, parece dar vigor aos projetos de Urbim que, por mais
árduos que sejam, são realizados com um prazer evidente. Meses de estudo
e pesquisa foram despendidos nos dois grossos volumes de Rio Grande do Sul – Um Século de História,
que lhe rendeu o Prêmio Açorianos de Literatura 2000, na categoria
Especial, como organizador. Não menos trabalho foi empregado na produção
de argumentos para centenas de capítulos de séries regionalistas da RBS
TV, como Os Farrapos (que também virou livro), Continentes de São Pedro, A Ferro e Fogo e Fazendas e Estâncias. Neste ano, o jornalista e escritor é candidato a patrono da 51ª Feira do Livro de Porto Alegre, um dos eventos culturais de maior tradição no país.
Fonte: Coletiva.net